Seu Jorge e o Bloco da Madeira
No alto daquele morro tem um coqueiro
Clementina de Jesus
Hoje quero aproveitar a sua sensibilidade para falar de alguém que mudou minha forma de ver Cultura. Essa pessoa não precisou fazer muito esforço para me transformar e nem nunca vai saber o efeito que causou em mim.
Clementina de Jesus nasceu no interior do estado do Rio de Janeiro, na zona rural de Valença. Mudou-se para a capital para o pai tentar crescer na vida. Trabalhou desde menina como empregada doméstica. Seus pais foram escravos beneficiados pela Lei Áurea.
É uma brasileira. Lutou uma vida inteira contra a pobreza. Lutou e nunca abandonou sua Cultura. Não pra forçar uma barra como fazem os intelectuais, mas justamente pelo contrário; ela não abandonou a Cultura porque era isso o que ela respirava. E pra mim não há melhor conceito de Cultura do que aquilo que se vive, o que se respira.
Todo ano freqüentava a igreja de Nossa Senhora da Glória, onde entoava seus cantos. Numa dessas festas para Nossa Senhora foi avistada por um jornalista e produtor musical, o Hermínio Bello de Carvalho, que ficou impressionado com o que viu e ouviu e apostou na produção dela.
Ela se dizia católica. E quem não diria num país onde quem não é sofre preconceito? Acho que pra ela já bastava ser mulher, negra, favelada e velha. Mas ela mesmo acreditava em seu catolicismo. E seus pais, ex-escravos, provavelmente acreditavam no deles também. Esse é o catolicismo brasileiro; cheio de influências e agregações. Sem por isso deixar de ser verdadeiro.
Diogo Mainardi escreve constantemente em suas crônicas para a revista Veja que o Brasil é um país que não tem Cultura. Que no máximo o que se faz aqui é um som tribal, selvagem ou sei-lá-o-quê-mais. Fico triste quando leio esse tipo de opinião. E essa é só mais uma demonstração do extermínio cultural feito nesse país há mais de 500 anos.
Mainardi ganha espaço na mídia para dizer o que alguns querem ouvir para não se sentirem tão sozinhos nesse país de "pobres miseráveis". Para essa classe o Brasil é uma merda e cada um que fuja para onde puder (mas não sem antes explorar isso aqui ao máximo). Queria poder ignorar essa gente, mas não posso. Tive educação e aprendi a não ignorar quem agride meu semelhante.
Fico pensando em quantas Clementinas nós talvez tenhamos perdido por causa do aparteid cultural em que vivemos. A falta de oportunidades mata. Falta de oportunidade de emprego mata de vergonha o chefe de família - e isso foi o que eu mais vi ao distribuir sopão conversando com moradores de rua. Falta de estudo mata a possibilidade de crescimento das pessoas e do país. Falta de oportunidade de difusão cultural mata a Cultura.
Talvez na Islândia sejamos mais felizes. E daí? Quero ser feliz aqui, independente do nome que tenha o aqui. E se for pra sair daqui, que seja sem nunca negar minha origem. Gosto muito da Björk. Ouvir demais cansa, mas gosto da atitude dela. Altamente libertária, mas sempre cantando as lendas saxãs, por exemplo. E viva a Islândia.
Mas viva o Brasil também! Viva Clementina de Jesus, Cartola e Nelson Cavaquinho! Viva Hermínio Bello de Carvalho! Mas enquanto não valorizarmos o que temos permaneceremos tendo muitos passarinhos para serem soltos ainda até que os pesadelos cessem...